A cerveja é uma das bebidas alcoólicas mais antigas e, atualmente, uma das bebidas mais consumidas no mundo. Aqueles que a apreciam provavelmente já escutaram que os principais ingredientes para sua produção são água, malte, lúpulo e leveduras. Sendo uma bebida fermentada, o malte entra como a principal fonte de carboidratos que podem ser convertidos em álcool pelas leveduras. Mas e o lúpulo? O que ele é exatamente e o que agrega para cerveja? Falaremos sobre isso a seguir!
Características do Lúpulo
Primeiramente, o lúpulo (Humulus lupulus Linnaeus) é uma espécie de angiosperma pertencente à ordem das Rosales e à família Cannabaceae. Ela é uma trepadeira dioica capaz de viver aproximadamente 50 anos, que produz inflorescências também chamadas de cones de lúpulo. Se desenvolve bem em solos argilosos ou arenosos profundos e de fácil drenagem, em clima frio e com alta exposição à luz durante o seu crescimento.
Não à toa, a maior parte da produção mundial de lúpulo (75-80%) é atribuída a países como Alemanha e EUA. E, apesar de existirem estudos descrevendo o uso do lúpulo na área da saúde (em virtude de suas propriedades antimicrobianas, anti-inflamatórias, fitoestrogênicas e calmantes), 97% de sua produção é destinada à fabricação de cerveja. Isso porque ele é um ingrediente muito importante nesse processo, sendo que variações no tipo e quantidade de lúpulo podem gerar cervejas completamente diferentes.
Para entender melhor essa importância, é preciso saber que são utilizadas apenas as flores não fertilizadas das plantas fêmeas do lúpulo. Essas flores possuem maiores quantidades de glândulas que são responsáveis pela secreção de um pó amarelo chamado de lupulina. Nesse pó estão presentes diversas substâncias químicas, como resinas (com alfa e beta ácidos), óleos essenciais e polifenóis, que dão a cerveja amargor, aroma e propriedades antioxidantes, respectivamente. Além de outras substâncias associadas a questões como a estabilidade da espuma ou até a proteção contra contaminações microbiológicas da cerveja.
Na verdade, foi na última década que o lúpulo ganhou mais atenção na produção comercial de cervejas, sendo que a quantidade média usada aumentou muito (variando de 4 até mais de 16 g/L). Isso ocorreu porque os cervejeiros passaram a adotar o “dry hopping” como uma forma de desenvolver cervejas com aromas de lúpulo ousados e únicos, sem gerar um amargor intenso.
Todo esse interesse motivou cada vez mais o estudo a respeito da composição e otimização desse ingrediente, sobretudo associado ao desenvolvimento de novas variedades. No entanto, pesquisas recentes estão indicando que os fatores ambientais, bem como aqueles associados à colheita e armazenamento, também são muito relevantes para composição química das diferentes variedades de lúpulo, o que será abordado a seguir.
Fatores que influenciam a composição química do lúpulo
Como mencionado anteriormente, os componentes químicos presentes nas flores do lúpulo estão relacionados a diversas características finais da cerveja que será obtida. Dessa forma, a composição química do lúpulo e os fatores que a influenciam foram e ainda vem sendo muito estudados. Nesse contexto, já é possível destacar que fatores como a variedade do lúpulo, o local e as técnicas de cultivo, o grau de maturação no momento da colheita, além de fatores pós-colheita como secagem, peletização e armazenamento afetam as características do lúpulo.
Na verdade, até pouco tempo atrás havia um grande foco para o desenvolvimento de variedades de lúpulo, de forma que hoje existam mais de 100. De forma geral, essas variedades se diferenciam principalmente pelas concentrações de alfa e beta-ácidos produzidas em “condições ideais”, potencial produtivo e resistência a pragas e doenças.
Por exemplo, uma variedade muito popular nos EUA é a Centennial, marcada por seu equilíbrio de aroma, amargor, alto teor de óleos e lupulina. Ela contém 9,5-11,5% de alfa-ácidos e 3,5-4,5% de beta-ácidos, potencial produtivo 1.700-2.000 kg/ha e é tolerante à murcha de Verticillium e ao míldio. Mas, além dela, é possível citar outras variedades bastante utilizadas, como a Cascade, Columbus e Chinnok ainda dos EUA, e outras como Challenger, Phoenix e Fuggle do Reino Unido, Hallertau da Alemanha e Saaz da República Tcheca.
Entretanto, estudos mais recentes estão dando atenção a outras questões como o local de cultivo, momento da colheita, processamento pós-colheita e armazenamento. Por exemplo, foi verificado que os teores de alfa e beta ácidos podem variar entre plantas da mesma variedade com idades e locais de plantio distintos.
Outro exemplo é que também foram relatadas mudanças notáveis na composição química em virtude da maturidade da colheita. Nesse caso com resultados que sugerem que o lúpulo colhido mais tarde na janela de colheita poderia ser mais adequado para uso em dry-hopping, porque atribui um aroma mais alto e cítrico à cerveja. Enfim, pode-se perceber que já foram feitos muitos avanços mas que ainda há um grande espaço para compreensão e desenvolvimento da utilização do lúpulo na produção de cerveja.
Novos horizontes
Assim, é possível perceber que o lúpulo realmente é um ingrediente de suma importância para a cerveja. E nesse sentido, os estudos e avanços rumo a otimização de sua produção e aplicação permitirão cada vez mais que os produtores e cervejeiros escolham o lúpulo com qualidade direcionada ao uso planejado ou possam explorar novas possibilidades com mais segurança.
Ainda no sentido de otimização da aplicação, por fim, destacam-se os estudos em relação à reutilização do lúpulo que sai como resíduo dry hopping. Isso porque esse lúpulo normalmente descartado ainda contêm altas concentrações dos compostos de interesse para cerveja. Havendo então a possibilidade de reciclá-lo, com alguns ajustes no processo de fabricação, para uma nova produção. Dessa forma haveria uma redução no desperdício de recursos e custos da produção de cerveja.
Agora sim a pergunta do início do texto está um pouco mais clara!
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Referências:
DURELLO, Renato S.; SILVA, Lucas M.; BOGUSZ, Stanislau. Química do lúpulo. Química Nova, v. 42, p. 900-919, 2019.
FAGHERAZZI, Mariana Mendes et al. A cultura do lúpulo: botânica e variedades. Rev. Agron. Bras, v. 1, 2017.
GASIŃSKI, Alan et al. Second life of hops: Analysis of beer hopped with hop pellets previously used to dry-hop a beer. LWT, v. 159, p. 113186, 2022.
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LAFONTAINE, Scott et al. Impact of harvest maturity on the aroma characteristics and chemistry of Cascade hops used for dry-hopping. Food chemistry, v. 278, p. 228-239, 2019.